Sob o sol escaldante da cidade, o garoto empurra o carrinho com sorvetes pelas ruas de Gurup, em mais um dia de trabalho. Sob o mesmo sol escaldante, a menina ribeirinha aguarda a balsa ar para atracar a canoa na grande embarcao e oferecer alguns litros de aa aos ageiros. O lanche do garoto e o aa da menina so produtos do trabalho infantil, uma realidade laboral vivida por milhares de crianas e adolescentes em dezenas de municpios paraenses. Em Gurup, o CENSO doIBGErevelou em 2010, que 916 crianas e adolescentes estavam vivendo nessa situao. Eles so quase 200 mil em todo o estado paraense. 4o2o68

Trabalho infantil prejudica o desenvolvimento pleno de crianas e adolescentes.
Para conscientizar e mobilizar a populao no combate a essa atividade e tentar reduzir esses nmeros, a Secretaria de Assistncia Social de Gurup (Semas) realizou o 1. Forum Contra o Trabalho Infantil. Nosso objetivo provocar outro olhar sobre essa atividade. Queremos que nossas crianas e adolescentes estudem e sejam profissionais qualificados. Devemos ter esse olhar de que no podemos matar o futuro, disse a coordenadora do Comit Local Contra o Trabalho Infantil, Elisia Souza, na abertura do evento que aconteceu na Cmara Municipal, na sexta-feira (23).A criao do Comit, segundo ela, um dos os para enfrentar esse trabalho tido como normal em muitos grupos sociais, e sensibilizar a sociedade com informaes uma das estratgias do Comit. preciso conscientizar sobre os danos causados pelo trabalho infantil, mobilizando o maior numero de atores envolvidos no processo como as famlias, os educadores, o poder pblico, empregadores e a sociedade em geral.

Elisia Souza coordena o PETI, em Gurup.
O 1 Forum teve a participao de crianas, adolescentes, estudantes, pais, professores, representantes dos poderes executivo e legislativo, e de entidades que trabalham em prol dos direitos infanto-juvenis no municpio, como Conselho Tutelar, Conselho Municipal dos Direitos da Criana e do Adolescente (CMDCA) e Conselho Municipal de Assistncia Social (CMAS). No evento foram discutidos o conceito de trabalho infantil; a responsabilidade da famlia e da sociedade nesse contexto; a gravidade que isso representa para o futuro de crianas e adolescentes; as conseqncias fsicas, sociais e psicolgicas causadas por esse tipo de trabalho e tambm o que est sendo feito para amenizar o problema.

Avar desafiou os participantes ao engajamento contra o trabalho infantil.
Estamos buscando parcerias com o governo federal para que possamos alocar mais recursos para combater essa atividade, disse o secretrio de Assistncia Social de Gurup, Manoel Avar, que em seu discurso ressaltou os trabalhos assistenciais que so realizados nos Centros de Referncia e de Especializao da Assistncia Social (CRAS e CREAS), como o atendimento s crianas e adolescentes no Servio de Convivncia e Fortalecimento de Vnculos (SCFV), e o trabalho social com as famlias no Servio de Proteo e Atendimento Integral Famlia (PAIF). O secretrio tambm mencionou o programa Bolsa Famlia, que atende 4.400 famlias no municpio, como estratgia de manter crianas e adolescentes na escola. Avar tambm convidou a sociedade a colaborar no combate ao trabalho infantil no municpio. Precisamos do apoio das famlias e da sociedade para combatermos e minimizar o problema, j que isso no depende apenas do poder pblico. preciso batalhar para dar mais dignidade s nossas crianas e adolescentes e isso depende de cada cidado.
Em geral, os profissionais de servios socioassistenciais afirmam que a responsabilidade precoce pelo trabalho impede as possibilidades de desenvolvimento integral, que os trabalhos oferecidos a crianas e adolescentes so precrios em sua maioria, com baixo nvel de qualificao, que no contribuem para uma sociedade que exige profissionais qualificados e com nveis de escolarizao mais elevados, que essas atividades interferem diretamente no desenvolvimento, no rendimento escolar e na sade do pblico infanto-juvenil.
O Ministrio do Desenvolvimento Social e Combate Fome (MDS) afirma em seu Programa de Erradicao do Trabalho Infantil (PETI 2010), que 48% das crianas e adolescentes que trabalham no recebem qualquer remunerao pelos servios prestados, e os demais recebem valores insuficientes para alterar sua prpria condio de vida e da sua famlia.
A criana precisa brincar e conviver com outras crianas, pois so nessas interaes que adquire noes de regras, limites e respeito pelo outro. Isso ir moldar a personalidade dela e contribuir para a sua viso de mundo. Tambm precisamos saber diferenciar o que e o que no trabalho infantil. Arrumar a cama ao acordar, por exemplo, no pode ser considerado trabalho infantil, um tipo de educao para aprender a se organizar, observa a assistente social da Secretaria Estadual de Assistncia Social, Trabalho, Emprego e Renda (SEASTER), Nbia Matos.

Meninas da escola Jos Amil apresentam dana no 1oForum Contra o Trabalho Infantil.
Mas se para assistentes sociais o trabalho infantil prejudicial, para muitas famlias uma necessidade que se faz, para ensinar o adolescente a se preparar para o mercado de trabalho, como afirma um comerciante de Gurup, que prefere no se identificar. Ele mantm uma sobrinha de 11 anos de idade como ajudante em seu comrcio, e diz que ela freqenta a escola, e que o trabalho executado pela jovem no requer esforo fsico, nem a prejudica intelectualmente. Pelo contrrio, o ensino da atividade um preparo para o futuro dela. Porque se no ensinarmos, ela ficar despreparada para enfrentar o mercado de trabalho no futuro. A famlia da jovem recebe o benefcio do Bolsa Famlia, mas o tio afirma que o valor no suficiente para a manuteno das despesas. Ela precisa ganhar um dinheiro a mais e no vejo problema nisso, alis vejo benefcio nesse trabalho.

Crianas assistidas no SCFV se apresentam em coral na Cmara Municipal de Gurup.
Atualmente o trabalho infantil se concentra em atividades de difcil fiscalizao e apresenta-se principalmente em atividades informais, na agricultura familiar (principalmente em regies rurais), no trabalho domstico, no aliciamento pelo trfico e na explorao sexual. As principais causas apontadas pelos estudiosos do tema a falta de conscientizao dos pais, ausncia de planejamento familiar e ausncia de polticas pblicas.
A Organizao Internacional do Trabalho (OIT) define trabalho infantil como aquele realizado por crianas ou adolescentes com idade inferior a 16 anos, a no ser na condio de aprendiz, quando a idade mnima permitida a a ser de 14 anos. Mas para essa condio, o empregador deve assegurar todos os direitos previstos na lei trabalhista e no Estatuto da Criana e do Adolescente (ECA). Por Lei, as empresas so obrigadas a contratar como aprendizes, 5% dos trabalhadores em cada estabelecimento, exceto as pequenas empresas (Lei 9.841/99). Dessa forma, as empresas contribuem para a formao profissional dos adolescentes e cumprem com sua responsabilidade social.
O 1. Forum Contra o Trabalho Infantil um dos eixos do PETI, iniciado em 1996, que est na fase de informao e mobilizao em Gurup. O Programa consiste em aes de articulaes entre a coordenao estadual, o CRAS, CREAS e outros servios socioassistenciais.A coordenao de Gurup do PETI deve cumprir cinco eixos (mobilizao, identificao, proteo social, defesa e responsabilizao e monitoramento) e, segundo a coordenadora Elisia, o Plano de Ao j est criado. Apresentamos nosso plano de ao no workshop do qual participamos, em maio desse ano, em Belm. Faremos parcerias com as secretarias de sade e educao e vamos realizar buscas ativas na cidade e zona rural com o objetivo de fiscalizar, proteger e monitorar. Tambm faremos um trabalho de conscientizao junto aos donos de comrcio de Gurup para alert-los sobre os males do trabalho infantil, e sensibiliz-los para a importncia de a criana ou adolescentes estarem na escola, afirma.
O PETI foi institudo na Lei Orgnica da Assistncia Social (LOAS), conforme o disposto no artigo 24C da Lei 12.435/2011, ando a integrar o Sistema nico da Assistncia Social (SUAS) legalmente. Foi redesenhado em 2013 e teve sua pactuao final em abril do ano ado. O Programa que comeou ainda em 1996 obteve resultados significativos na reduo do trabalho infantil, que tornou o Brasil referncia mundial no tema.
Melhor trabalhar do que roubar Segundo a Comisso para Erradicao do Trabalho Infantil da Justia do Trabalho, esse um dos mitos que precisam ser combatidos e no pode ser opo. Crianas e adolescentes tm o direito de no trabalhar. A elas deve ser assegurada uma infncia feliz, ldica, e a vivncia prpria da idade, e educao pblica de qualidade, e aos adolescentes e jovens, a qualificao profissional. O Estado tem o dever de garantir que o roubo ou qualquer outra atividade criminosa no seja opo nica de quem no trabalha. Para a Justia do Trabalho, estando crianas e adolescentes ocupados de forma digna e adequada, a sociedade estar construindo um futuro melhor para eles e para todos. O trabalho precoce alimenta um ciclo vicioso de misria e destri sonhos.
Texto e fotos: Rui Pena.